P72 – Marisol Palomo (Ialma): Queremos pisar pedra!

Ialma
© Lieve Boussauw

Esta semana, conversamos com as embaixadoras musicais da Galiza na capital européia: as Ialma. Marisol Palomo esteve connosco para falar connosco da boa acolhida que está a ter o seu último disco e dos projectos que estão no forno. As Ialma sentem-se orgulhosas do trabalho que realizam levando a música galega a todo mundo, ainda que adoram “pisar pedra” e queriam ter tantos concertos no país como têm pelo mundo afora. Estes 18 anos já deram muitos frutos e guardam na memória momentos surpreendentes, como a actuação em Taiwan perante 10.000 pessoas ou a sua viagem ao Canadá. No Grandes Vozes estamos impacientes por escutar os próximos trabalhos, especialmente depois dos pequenos petiscos que a Marisol nos oferece nesta nova entrevista dos nossos locutores Marco Pereira e Edilson Sanches.

 

Marisol Palomo, muito boa tarde!

Muito boa tarde!

 

É um grandísimo prazer poder falar contigo.

É sempre um prazer poder entrar em contacto com a Galiza.

 

Como está o ambiente em Bruxelas?

Penso que continuamos na nossa estratégia de luta, como mulheres galegas que reivindicam a sua memória, a sua história. Realizamos muitos projectos nas escolas e viajamos imenso.

 

Ialma é um grupo de música formado por cinco mulheres estabelecidas em Bruxelas. Começaram como grupo de pandereiteiras e neste momento, com 18 anos de trajetória, têm cinco discos editados. Para sabermos mais sobre as suas origens, a sua evolução e as novidades para o futuro imediato, estamos em conversa com uma das suas integrantes, Marisol Palomo.

Cinco mulheres de origem galega. De onde procedem?

Verónica e Natalia são de Lugo, de Pardinhas, ainda que nasceram aqui em Bruxelas, como todas nós. Eu sou do Moinho da Várzea, em Betanços, e agora entrou no grupo a minha filha para substituir uma antiga integrante asturiana que teve que deixá-lo. Já tem 25 anos e sempre cantou e nos acompanhou, portanto conhece todas as nossas canções. Finalmente, temos a Nuria, que foi há dois anos para o Japão por razões de trabalho e que está ausente desde então. Fazemos todas as canções entre as quatro cantareiras, junto com dois músicos belgas que nos acompanham na nossa formação atual. Temos um projecto desde há dois anos chamado Caminho de Bruxelas a Santiago e na segunda-feira vamos fazer uma festa numa escola porque vai ser o nosso concerto número 200 através do mundo e através das escolas.

 

Como se encontraram as vossas famílias?

Acontece como em todas as emigrações. Encontrámos no Centro Galego, depois formamos um grupo de baile, e posteriormente chegou Carlos, que disse que devíamos de acompanhar o baile com canto. Decidimos aceitar o desafio há mais de vinte anos e começamos. Evidentemente, quando havia festa nas casas sempre cantávamos com as famílias. Naquela altura, grupos do universo folk como Fuxan os Ventos estavam a viajar pelo mundo e nós começamos a fazer colheiras musicais na Galiza durante as férias, visitando senhoras de idade em lugares como Lajoso e conhecendo grupos como Leilía, Xurxo Fernandes e Quique Peón, ou mesmo Mercedes, que nos ajudaram muito a continuar com este projecto. Agora, com o disco de Caminho, o que tentamos é escrever a nossa própria letra e compor a música, respeitando as melodias tradicionais. Penso que é um passo mais, dado que agora podemos expressar nos textos o que já contávamos ao falar.

 

Além da música, a que vos dedicais?

Cada uma tem o seu trabalho. Eu ocupo-me de várias produções de salas de concertos e o Brosella, um festival de folk e jazz onde tentamos que participem também os nossos grupos. Verónica dedica-se exclusivamente ao canto e a dar aulas nas escolas de música, algo que também faz a minha filha. Aqui nas escolas não existe a disciplina de Música, como tal, senão que se denomina Despertar Musical e consiste numa iniciação que tem como objectivo transmitir esse gosto pela musicalidade e conseguir que vão a academias e que pratiquem os ritmos. Natalia é a que mais difícil o tem, dado que é professora numa escola e temos que coordenar datas para atuar durante as férias e nos fins de semana. É necessário aprender a combinar as duas coisas.

Ialma é um presente para nós e conseguimos criar um vínculo com a gente e com outros músicos que funciona cada vez melhor. Pensamos que é um regresso às origens, ao essencial da música: não é um formato grande, somos quatro cantareiras e dois músicos, mas há uma força no palco que a gente sente.

 

Eu, que venho de Cabo Verde, quando li a informação sobre o grupo, identifiquei-me com ele. Rapidamente estabeleci uma conexão entre vós em Bruxelas e as nossas Batuko Tabanka ou as Moreninhas em Burela. Como vos juntais?

Juntamo-nos um dia por semana, ensaiamos, tentamos escutar novos temas e novas letras. Temos um projecto com uma artista conhecida como “a Pasionaria” italiana, Lucilla Galeazzi, e é claro  que no fundo, mesmo com origens diferentes, a história é a mesma: a história das mulheres, a história da emigración. Os ritmos e os sentidos parecem-se muito e a fusão pode funcionar muito bem, ainda que existem diferenças entre as tarantellas e as muiñeiras. Este projecto, chamado Aleghrìa e Libertà, vai nascer no mês de outubro e já temos atuações programadas. Para o ano que vem também temos outro projecto, Galeuscat, com músicos galegos, catalães e bascos. Queremos juntar ritmos diferentes das culturas consideradas “minoritárias”, ainda que nós consideramos que seria mais adequado dizer “minorizadas”, já que se fala muito galego e ainda mais se considerarmos o português. A nossa língua e a nossa música têm muitíssima força e pretendemos dá-la a conhecer pelo mundo.

 

Marisol, cumprimentos desde o controlo técnico; fala Matías. Queremos viajar ao início de tudo: como vos juntastes as componentes do grupo pela primeira vez?

Foi no Centro Galego. Quando íamos para  a emigración, por meio dos pais, o que tentávamos era juntar-nos todos através do Centro Galego. Hoje é diferente porque as novas gerações não sentem essa necessidade, pois vão mais à casa e trata-se de uma emigração “de passagem”. Tentam trabalhar um pouco e depois viajam, não é como o nosso caso em que nascemos aqui e permanecemos 20, 30 ou 50 anos. O grupo nasceu ali e, mas tarde, uma casa discográfica viu-nos atuar e animou-os a gravar um disco. No momento em que a Verónica foi a Eurovisão com Urban Trad produziu-se um boom para a nossa música, quando pudemos escutar pela primeira vez uma gaita galega neste concurso.

 

Participaste desde o começo em todos os trabalhos discográficos. Falam-nos deles, onde os gravastes?

Todos na Bélgica, ainda que no quinto disco fomos à Galiza gravar um coro. Cada disco é diferente; o primeiro é muito a cappella,  um cantar de pandereiteira muito nasal; depois vamos caminhando cada vez mais para a música de cantautor, com composições e textos próprios. Quem tem os cinco discos pode passá-lo muito bem, porque é uma evolução muito séria e muito bonita. Ora bem, o que melhor funciona pelo mundo é este quinto trabalho, porque pensávamos que estávamos a fazer algo mais íntimo e pessoal, mas finalmente reparamos em que interessa a muitíssima gente que se reconhece na nossa música e na nossa história. Eu conto a história de uma menina que fala com a avó e pergunta coisas: por que foi embora, com quem foi, onde ficou o avô… A avó responde, da mesma maneira que a minha avó respondia quando eu era pequena. Penso que quando vem gente, tanto galega como não galega, identifica na história das imigrações. Bruxelas é isso, uma multicultural onde no eléctrico se falam 15 ou 20 línguas. Galiza tem muito boa acolhida pelo mundo e, aliás, vimos da Suíça, onde o público das montanhas se animava a cantar connosco o ailalá. É bonito, penso que temos uma boa conexão com a gente.

 

Nós queremos dar-vos os parabéns por esses sucessos que estais a ter.

Sim, aliás o incrível é que o vamos levar por muitos países, mas na Galiza temos unicamente uma actuação na Corunha, no Castelo, dia 7 de julho. Se quereis ver Ialma é perfeito porque vai ser o único concerto do verão. É uma pena, pois nós pensamos que pisar pedra é importante. Sempre íamos a Santiago, ao Dezasseis, e juntávamo-nos com músicos porque é importante poder transmitir e conhecer a reação dos galegos ao trabalho que fazemos. Quero fazer desde aqui um apelo a festivais e à nossa gente: que nos chamem, que um avião de Bruxelas para Santiago agora não é tanto.

 

A verdade é que não!

É uma alegria falar convosco e queremos mandar um beijinho para todos os galegos que têm gente na emigración, que somos muitos, e agradecer o trabalho que estais a fazer vós, de seguir e dar a conhecer a nossa música e os nossos artistas. Cada vez há menos espaço para a música tradicional e para o folk, mas penso que tudo vai dar uma volta e voltaremos às coisas essenciais, que são necessárias.

 

Pois sim, a verdade é que sim! Marisol, surpreenderam-nos quatro referências que vinculais convosco. A ver se nos explicas estas ligações: por que o Dezaseis?

Porque quando chegamos ao aeroporto sentimos que temos que pisar pedra. Às vezes, na Bélgica, falamos muito francês entre nós sem repararmos nisso. No Dezaseis sabemos que nos vamos encontrar com a Uxía, com a Guadi, com o Xabier Díaz e com outros artistas que estão a defender o nosso; é um ponto de encontro dos artistas. De noite vamos às Crechas e depois a outros bares onde nos encontramos com outros músicos. A primeira conexão com o país, antes da família, são os músicos, que também são a nossa família. Posteriormente cada uma vai encontrar-se com os seus e, mais tarde, juntámo-nos para fazer trabalho de campo.

 

Carlos Blanco.

Carlos Blanco é uma amizade muito profunda, esteve connosco em Bruxelas. É uma pessoa para quem as dúvidas e os problemas não existem, o mundo é a Galiza inteira para ele. Cada coisa que diz é bonita e temos uma conexão muito forte com o Carlos. Não nos podemos ver sempre que queremos, mas esse vínculo está aí e colaborou connosco no quarto trabalho. «Meninas, continuai com força, que sois um 4×4», dizia. É um artista integral.

 

Xavier Queipo.

Xavier Queipo é o nosso artista em Bruxelas. Escreveu um tema para nós e também vários textos. É o nosso professor de língua: nascemos aqui e não temos estudos em galego. Quando falamos com ele é tudo bonito; fala com poesia. Além disso, está a ter um reconhecimento incrível. Está numa associação de poetas do mundo aqui e os poemas dele são traduzidos para muitas línguas. Ter em Bruxelas um escritor dessa qualidade foi para nós um grande presente.

 

O obradoiro de Seivane.

A nossa relação com o obradoiro de Seivane é como a de todos os galegos no mundo: a primeira gaita que temos é deles. Ele esteve na emigración e já o conhecíamos da sua etapa em Barcelona. Quando a Susana tinha 6 ou 7 anos juntávamo-nos com ela para tocar e cantar. A casa dos Seivane é uma daquelas por onde não podes passar sem parar para tomar um vinho, portanto quando vamos à Corunha temos que ir vê-lo, visitar o obradoiro, tocar as madeiras e conhecer as ideias novas que tem.

 

Já tendes atuado em muitos lugares do mundo. Quais são os mas especiais?

O mais especial foi em Taiwan, um festival onde havia 10.000 pessoas à nossa frente e um cartaz muito grande com meninas do país e um texto que dizia, em galego, “Ialma, queremos-vos”. Foi o mais impressionante e quando acabamos disseram-nos que as nossas vozes recordavam os cantos das senhoras de idade do país.

Marrocos também foi impressionante: cantámos um ailalá e introduzimos um refrão em árabe no tema galego. Tentamos criar vínculos com o país fazendo uma estrofe na língua local, como forma de agradecemento, e para eles foi impressionante.

Outro dos concertos importantes foi o de Canadá, onde os festivais são muito diferentes. A gente vem com uma colcha, senta no chão, e depois há carpas onde se realizam intercâmbios com os músicos. Fomos com africanos do Zimbabwe e intercambiamos bailes e percussões de maneira improvisada, ainda que a gente pensava que o tínhamos preparado. Os ritmos galegos podem-se misturar com os de qualquer país.

Finalmente, foi um prazer conhecer os cantos da Córsega e cantar com A Filetta, um grupo do país que faz um trabalho fantástico.

 

Antes de finalizar a entrevista, ainda temos uma última pergunta. Queremos média dúzia de sugestões musicais de vozes do nosso mundo.

Há uma cantora e baixista que devia conhecer a nossa gente: Manou Gallo, da Côte d’Ivoire. Vive aqui em Bruxelas e é uma artista incrível. Está reconhecida como a décima melhor baixista do mundo, mas canta de forma extraordinária.

A nossa Uxía italiana seria Lucilla Galeazzi, uma grande cantora e lutadora, com uma voz sensacional e um trabalho de campo musical importante. Quando começámos, disse-nos: «meninas, como mulheres, ides passar por muitas situações complicadas no mundo, mas o único que pode salvar o vosso trabalho é nunca parar de cantar». Penso que tinha razão; podem acontecer muitas coisas na vida, mas no palco esquecemos tudo.

Outra referência seria uma cantora árabe Leila Amezian, que realiza um trabalho de transmissão cultural muito lindo.

 

E do mundo galego?

São muitos. Gente que esteve sempre connosco são os de Radio Cos, Xurxo e Quique, que vieram à Bélgica, viveram na nossa casa e realizaram intercâmbios connosco. Obviamente, Leilía é uma referência para todas, já que começámos aprendendo canções delas e continuam com força. Por outra parte, estão Xabier Díaz e muita gente nova como Os d’Abaixo, com um trabalho lindíssimo. Como cantautora, Mercedes Peón, com uma dimensão e uma visão que vão além da nossa música e que realiza um grande trabalho. Temos muitíssima variedade e todos começamos com a pandeireta na mão.

Finalmente, tenho que dizer que a nossa força também está em Uxía: uma mulher que luta imenso e que tem uma doçura excepcional na voz, e Guadi Galego. Poderia mencionar muitos outros porque temos muito bons artistas na Galiza. Queremos que continuem a actuar no país, mas também que possam ir pelo mundo como nós, dado que penso que algo que caracteriza os galegos é a capacidade que temos para criar vínculos com outras culturas.

 

Marisol, foi um grandísimo prazer poder conversar contigo. Muito obrigado.

Sou eu quem agradece!

 

Muito sucesso com este quinto álbum e com os que vierem no futuro.

Estaremos à vossa espera no dia 7 de julho à noite, na província da Corunha. Esperamos ver toda a nossa gente ali.

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